COLUNISTA

05/08/2020
COVID-19: DESNUDANDO O MILAGRE
DA CLOROQUINA EM PORTO FELIZ

Todos temos acompanhado o debate sobre o uso da HIDROXICLOROQUINA (HCQ) no tratamento precoce da Covid-19. De um lado periódicos e sociedades científicas internacionais negando evidências de seus benefícios. De outro, uma legião de defensores guiados, sobretudo, por Bolsonaro e Trump. Não vou aqui entrar neste debate, convicto de que ele só pode ser entendido no contexto da política e até do fanatismo.

Quero falar de um caso particular.
Desde maio circula nas redes sociais uma enxurrada de mensagens dizendo dos milagres da HCQ na cidade paulista de PORTO FELIZ (região de Sorocaba). Chegou-se a publicar mesmo que nenhum óbito por Covid-19 fora ali registrado em decorrência do uso de kits de cloroquina (associada a azitromicina, ivermectina e outros), adotado pela Prefeitura (cujo prefeito é médico!). De fato, para alimentar a lenda, em junho, nenhum óbito novo foi registrado no município.

A coisa ganhou tal dimensão que até o suspeitíssimo jornalista Alexandre Garcia (um quase guia espiritual de milhões de brasileiros), publicou o seguinte no Correio Brasiliense, de 1/7/20: “O prefeito de Porto Feliz, o médico Cássio Prado, começou em fins de março e aplicou 1.500 kits em quem estava nos primeiros sintomas. Ninguém evoluiu para internação (...). Os quase 600 profissionais de saúde do município receberam a fórmula de profilaxia; os únicos que tiveram covid-19 foram dois médicos, que recusaram cloroquina”.


Já a Revista Oeste, de 14/7/20, menciona uma live de 26/6 em que o próprio prefeito confirmou a tal distribuição de kits e concluiu que “entre todos aqueles tratados precocemente, ninguém evoluiu para a intubação”.
A coisa ganhou tal proporções que o obscuro “Jornal Times Brasília”, em 2/7, publicou: “Ignorado pela mídia, prefeito brasileiro ‘salvou sua cidade’ do vírus chinês”.

Com base nestas divulgações, os "poderes milagrosos da HCQ" e outras drogas se espalharam mais que a nuvem de gafanhotos que não chegou aqui. Tudo isso contradizendo a opinião de conceituados especialistas, como o Professor Alexandre Naime Barbosa, médico infectologista da Faculdade de Medicina de Botucatu, que em reiteradas manifestações científicas e entrevistas demonstrou a falta de evidências da eficácia do tratamento precoce na COVID-19.

Assim, fomos eu e o Prof. Vieira estudar o “caso Porto Feliz” e depois de levantar e analisar muitas informações fizemos um pequeno quadro síntese, que, a nosso ver, desnuda por completo a falácia dos “milagres” ocorridos em Porto Feliz. Veja a tabela, com dados referentes aos casos Covid-19, por 100.000 habitantes, em 2 momentos: acumulados até 30/6 e total de casos ocorridos apenas durante o mês de julho.

Em cima, é apresentada a ocorrência da Covid-19 em dois municípios referência no controle da doença: Araraquara, com os melhores indicadores no Estado, e Botucatu, com um bem sucedido programa de testagem em massa + diagnóstico e conduta precoces.


Abaixo, Porto Feliz e seus vizinhos de porte semelhante. Observe que, até o final de julho, estava alimentada a ilusão dos “bons resultados do “kit HCQ”. Afinal Porto Feliz estava próximo de Araraquara e melhor do que Botucatu; em junho teve ZERO óbitos por Covid-19.

E DEPOIS?
Desde o início da Pandemia, estava previsto que, depois de castigar a Grande São Paulo e áreas metropolitanas, a doença avançaria firme para o Interior, atingindo médios e pequenos municípios como era o caso de Porto Feliz. Especialistas gabaritados, como o Professor da FMB-Unesp Dr. Carlos Magno Fortaleza, diziam que isso aconteceria especialmente no MÊS DE JULHO.

E aí o milagre do Kit-HCQ de Porto Feliz foi posto à prova! Segundo dados oficiais do Centro de Vigilância Epidemiológica do Estado de São Paulo, 8 mortes por Covid-19 ocorreram naquele município no mês de julho, tristemente.


Observe bem a tabela e compare a ocorrência de casos por 100 mil habitantes. Não compare com as referências estaduais (Araraquara ou Botucatu, onde seguramente não se usa o procedimento). Compare com a “vizinhança” de Porto Feliz: de Tietê a Iperó, para não falar da pequena Elias Fausto que não teve um óbito sequer neste mês. Confesso que não sei se outros destes municípios usa o Kit, mas nos perguntamos: a Hidroxicloroquina deixou de ter efeito?

Pois é, meus amigos, nada como confiar na ciência, nos médicos, farmacêuticos e cientistas sérios (como os que mencionei) e esquecer os rompantes políticos em torno de falsos tratamentos transformados em objeto de culto pela ação irresponsável e interesseira de alguns e pela boa fé de milhões de iludidos.

Fonte dos dados: IBGE e Centro de Vigilância Epidemiológica do Estado de São Paulo.


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