FMVZ/Unesp desenvolve dispositivo à base de silicone que simula condições dos tecidos de animais vivos
09/05/2022
FMVZ/Unesp desenvolve dispositivo à base de silicone que simula condições dos tecidos de animais vivos

Material propicia que o aluno treine todas as etapas de uma cirurgia, desde a incisão, a homeostasia (processo de impedir, deter ou prevenir o sangramento) até a síntese cirúrgica (a sutura dos tecidos)

 

A Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da Unesp, câmpus de Botucatu, está desenvolvendo um dispositivo á base de silicone, que simula as condições dos tecidos de animais vivos, para ser usado no ensino de técnica cirúrgica aos alunos de graduação do curso de Medicina Veterinária, com custo significativamente menor que o dos modelos disponíveis no mercado.

“O objetivo do treinamento da técnica cirúrgica é transmitir ao aluno as habilidades corretas que ele precisa dominar para executar uma cirurgia, como incisões e suturas, por exemplo. A técnica cirúrgica é ensinada de uma maneira escalonada, por etapas que não podem ser ultrapassadas. Somente após o extenso treinamento em modelos os alunos executam procedimentos em animais, sob supervisão direta dos professores. Por isso o material sintético do modelo precisa ser similar ao que ele vai encontrar executando um procedimento real”, explica a professora Juliany Gomes Quitzan, do Departamento de Cirurgia Veterinária e Reprodução Animal da FMVZ. “A dificuldade maior é se obter um modelo que mimetize a resistência dos tecidos, a consistência elástica da pele e a resistência vascular, para que o treinamento seja o mais efetivo possível”.

A docente destaca que, nas últimas duas décadas, o ensino de técnica cirúrgica mudou bastante no âmbito da Medicina Veterinária. “Aulas ministradas com animais vivos, que são eutanasiados ao final do procedimento praticamente não acontecem mais”. O entendimento de que o uso de animais vivos e saudáveis para treinamento dos futuros médicos-veterinários seria eticamente errado, foi consagrado pela legislação brasileira em dispositivos como a Lei 9.605/98 e a Lei 11.794/2008.

Durante algum tempo, uma das soluções utilizadas pelas escolas de Medicina Veterinária foi a utilização de cadáveres para treinamento dos seus alunos nas principais técnicas cirúrgicas. “Existem vários fatores contrários a essa alternativa, especialmente a descaracterização do tecido, com a perda da elasticidade cutânea”, explica a professora. “Além disso, não é fácil obter os cadáveres. Muitas vezes o animal vem a óbito por um motivo que impossibilita a utilização do corpo para os objetivos desejados. E, por fim, cada vez mais os tutores de animais querem fazer o seu ritual de luto, inclusive enterrando seu pet”.

Diante desse cenário, o uso de modelos e materiais sintéticos tem se destacado bastante na área médica. “Ao longo da sua história, a FMVZ já passou por diferentes cenários e atualmente não temos dúvidas de que os modelos sintéticos atingem as expectativas exigidas pelo ensino. Existem estudos que mostram que, em razão dos alunos não passarem pelo estresse de saber que estão aprendendo num animal vivo, eles treinam com mais tranquilidade e ficam aptos a realizar os procedimentos com mais segurança posteriormente, num paciente real. Além disso, os modelos são práticos, pois eliminam toda a necessidade de armazenamento de cadáveres e outros inconvenientes”.

O grande problema para a adoção dos modelos sintéticos é seu custo elevado. Durante seu pós-doutorado, feito na Universidade de Guelph, no Canadá em 2018 e 2019, a professora Juliany acompanhou de perto o desenvolvimento dos chamados “pads” (almofadas) de silicone, utilizados no ensino de técnica cirúrgica aos alunos canadenses. A professora trouxe a receita e algumas dicas para tentar reproduzir o equipamento aqui. “Não basta você ter um pedaço de espuma ou um pedaço de tecido qualquer para o aluno treinar a sutura. É muito importante que esse material tenha caraterísticas similares ao tecido com qual ele vai trabalhar na realidade”.

Com a intenção de desenvolver um “pad” eficiente e mais acessível financeiramente, a docente contou com o apoio da empresa Avenir 3D, instalada na Incubadora Botucatu, que trabalha com o desenvolvimento de produtos impressos em 3D. A empresa conseguiu desenvolver uma fôrma, utilizando corte a laser e acrílico, que permitiu a fabricação padronizada do “pad”.

A equipe da Avenir 3D também auxiliou a professora Juliany a encontrar o material adequado para suas necessidades. O “pad” utiliza um silicone importado denominado Smooth On, que tem características de dureza e elasticidade semelhante aos tecidos humanos. Mesmo utilizando um produto importado e sofisticado, o custo da fabricação dos pads compensa, em relação aos “pads” similares encontrados no mercado.

Apesar de baseado no modelo da Universidade de Guelph, o “pad” da FMVZ traz uma inovação importante, que é a inserção de vasos sanguíneos simulados, entremeados às camadas de silicone. “O material propicia que nosso aluno treine todas as etapas de uma cirurgia, desde a incisão, a homeostasia (processo de impedir, deter ou prevenir o sangramento) até a síntese cirúrgica (a sutura dos tecidos)”.

O desenvolvimento do “pad” também motivou o trabalho de mestrado da médica-veterinária Giovana Mazzali, junto ao Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia Animal da FMVZ. A pesquisa envolve o estudo das características do material e da confecção do molde e também a avaliação dos alunos ao final do curso, sobre a eficiência do “pad” para seu treinamento. “Realizamos questionários e conversas com os alunos, perguntamos sobre a resistência ao corte do bisturi, na passagem da agulha para realizar sutura, ao realizar a diérese (divisão dos tecidos para acesso à região a ser operada), dureza e resistência, coloração adequada, utilidade do modelo, além de outros fatores relacionados com sua segurança e confiança de realizar os movimentos”, relata Giovana.

As primeiras turmas de alunos a avaliar o “pad” avaliaram positivamente o modelo, como conta Giovana. “Os alunos se mostraram satisfeitos e animados com o uso dos pads, pela qualidade do modelo e também por poderem treinar em suas casas. Ainda faltam fatores que precisam ser aprimorados, mas acreditamos que podemos utilizar a tecnificação e materiais inovadores para aprimorar o ensino e estimular o conhecimento”.


Por - Sérgio Henrique Santa Rosa


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