Músico faz um apanhado geral da carreira, influencias musicais, processo de composição, desafios, discografia, entre outras coisas
O cantor e compositor Osni Ribeiro que está celebrando 40 anos de viola e cantoria e consolida o reconhecimento por seu trabalho autoral e seu compromisso com a música de raiz. Para comemorar, o violeiro está fazendo uma turnê por diferentes cidades do interior paulista.
Em entrevista ao jornalista Quico Cuter, do Portal Tribuna de Botucatu, o músico faz uma explanação da carreira, influencias musicais, processo de composição, desafios, discografia, entre outras coisas.
Vamos a ela:
– Osni, Como e quando a viola caipira entrou na sua vida?
A viola entrou na minha vida primeiro pelos ouvidos, antes mesmo de eu saber direito o que era. Eu ouvia no rádio aqueles recortados, os ponteados das modas de viola, e aquilo me cativava de um jeito diferente. Mas, naquela época, a viola vivia um período de desuso — o mercado da música empurrava os artistas para instrumentos considerados mais “modernos”, e a viola era vista como coisa antiga, fora de moda.
Ao vivo, vi pela primeira vez nas mãos do Seu Negrão, dono de um bar ao lado da minha casa. Foi ele quem me mostrou que instrumento era aquele, e eu entendi de onde vinha aquele som que já me acompanhava. Tinha uns 13 ou 14 anos e foi paixão à primeira audição. A partir daquele dia, nunca mais esqueci a viola — e ela acabou virando parte essencial da minha história.
– Quais foram suas maiores influências musicais, tanto de outros violeiros quanto de gêneros musicais?
Cresci num tempo em que a música chegava pelo rádio, pelos discos e pelos amigos tocando por perto. A discoteca de casa era quase uma escola — foi ali, nos discos do meu pai, que vieram minhas primeiras influências. Depois vieram o rádio, os amigos e os discos que eu mesmo passei a comprar.
Gosto sempre de citar Chico Buarque e Renato Teixeira como grandes referências de composição. Na música caipira, estão as duplas Zé Carreiro & Carreirinho e Belmonte & Amaraí. Com o tempo, fui lapidando esse repertório com muitas outras influências: meus conterrâneos Raul Torres, Serrinha e Angelino, que revelaram a força da música que pulsa na nossa região; e violeiros contemporâneos como Tavinho Moura, Ivan Vilela e Levi Ramiro.
E, no meio de tudo isso, ainda carrego vislumbres dos arranjos épicos do Rick Wakeman. No fim das contas, acredito que a arte que a gente produz é feita de fragmentos das coisas que conhecemos, admiramos e cultivamos ao longo da vida.
– O que a viola caipira representa para você e para a cultura brasileira?
A viola, pra mim, é um instrumento-base do brasileiro. Ela chega das violas portuguesas trazidas nas caravelas e, ao longo dos séculos, vai se transformando em dezenas de adaptações feitas em solo brasileiro. É um instrumento essencialmente popular, cuja presença acadêmica é muito recente. Por muito tempo, cada violeiro — e aqui considero violeiro também quem faz a própria viola — construía seu instrumento conforme seus recursos, sua lógica e seus materiais disponíveis. Da mesma forma, cada tocador desenvolvia seu próprio jeito de tocar, suas afinações, seu estilo. Em cada região, a viola se moldou às características da música local e às manifestações culturais de cada canto do país.Acho que a viola representa justamente isso: o poder de adaptação, de mutação, que a tornou acessível e profundamente brasileira. E isso sempre me encantou — a liberdade de poder tocar do meu jeito, imprimir meu estilo, sem a necessidade de uma base teórica que me dissesse se o que eu fazia era “certo”. Essa abertura cria uma relação íntima, uma cumplicidade muito grande entre o violeiro e o instrumento.
– Existe algum estilo de tocar viola que você considera mais desafiador ou interessante?
Pra mim, o maior desafio na viola não está exatamente em um estilo específico, mas em tocar com verdade. É encontrar o caminho próprio de cada canção, a cadência de cada ponteio. Nunca enxerguei a viola como um instrumento performático; vejo mais como uma parceira da criação musical, do canto, um instrumento que ajuda a traduzir sentimentos.
Meu desafio constante é buscar esse equilíbrio entre técnica e emoção — deixar a mão fazer o que precisa, mas sem perder o coração do que estou dizendo através da música.
– Como você vê a evolução da música caipira e da “moda” de viola tradicional para o cenário atual, influenciado pelo sertanejo moderno?
Vejo a música caipira de um jeito muito parecido com a própria viola: como algo em constante transformação. A base vem da música portuguesa, que aqui se misturou à música dos povos originários, depois recebeu influências das populações escravizadas, dos imigrantes que chegaram, das culturas de fronteira trazidas pelas tropas que circulavam pelas divisas com Paraguai e Argentina. É uma formação plural, orgânica, profundamente ligada ao território e às vivências do interior.
Com o tempo, porém, a indústria do disco tentou “modernizar” essa tradição de um jeito pouco natural, misturando a música caipira a sonoridades que eram vistas como comercialmente promissoras. Vieram instrumentações e arranjos que buscavam mais atender ao mercado do que respeitar a essência do gênero. Pra mim, isso não é modernização — é uma descaracterização. A música caipira sempre deu protagonismo ao sentimento, às histórias, à memória e à fala do caipira. Quando isso se perde, perde-se o coração do gênero.
Modernizar, no meu ponto de vista, é outra coisa. É o que artistas como Renato Teixeira fizeram e fazem: atualizar a linguagem, a poética, as melodias, a harmonia e a rítmica sem romper o elo fundamental com o morador do interior, com o modo de viver e sentir que dá origem a essa música. Isso, sim, é evolução — sem trair a essência.
– Como é o seu processo de composição? De onde vêm as inspirações para suas letras e melodias?
Meu processo de composição é bastante diverso. Na música popular é comum que as melodias venham primeiro para depois serem letradas, mas esse não é um padrão que eu sigo muito. Gosto de compor letra e música simultaneamente — é como se uma provocasse a outra. Também escrevo a letra primeiro e depois busco uma melodia que a abrace. Dou muita importância para a melodia, sem me preocupar tanto com a harmonia no início; isso eu lapido depois, com calma.
A inspiração também vem de muitos lugares. Às vezes é algo que ouvi alguém dizer, uma situação que observei, um pensamento, um sentimento ou simplesmente uma frase que chega do nada e acende o caminho do restante. Tem canções que nascem de pedaços que vou guardando, e há momentos em que interrompo e volto só depois. Não tenho um padrão rígido.
Também gosto muito de compor a partir de poesias ou textos de parceiros. Algumas músicas fluem de repente, quase prontas. No fim das contas, não acho que eu tenha uma fórmula — cada canção encontra seu próprio jeito de chegar.
– Você se considera mais um instrumentista, cantor, compositor ou um pouco de tudo?
Sinceramente, não me considero “mais” nada — e isso não é modéstia. Eu penso a música como um jeito de dizer coisas, de compartilhar sentimentos, minha visão de mundo, como se estivesse conversando com quem está ouvindo. E, como numa conversa, o jeito varia: às vezes sou mais direto, outras vezes dou mais voltas. Cada tema, cada momento pede um tipo de prosa.
Não consigo nem mesmo definir muito bem se gosto mais de cantar, de tocar ou de compor. Tudo faz parte do mesmo gesto, do mesmo impulso de comunicar. Tem fases em que um lado fala mais alto, depois outro toma a frente. Acho que sou um pouco de tudo — e tudo a serviço daquilo que quero expressar.
– Você tem alguma música ou álbum que considera um marco na sua carreira? Por quê?
Durante muito tempo eu transitei por vários estilos. Sempre gostei de compor, tocar e cantar coisas diferentes, e isso aparece com muita nitidez nos meus dois primeiros discos. Mas essa diversidade, ao mesmo tempo em que me alimentava, dificultava a criação de uma personalidade musical mais definida — eu não conseguia reunir tudo isso e sentir uma unidade de trabalho.
Depois de mais de 20 anos, lancei Arredores. Esse álbum marcou uma verdadeira retomada: depois de 12 anos atuando na gestão cultural, ele representava o movimento de tentar juntar todas as minhas influências e, enfim, encontrar a tão desejada unidade artística. Era também uma prova íntima de que eu ainda tinha lenha pra queimar como artista. E o disco correspondeu plenamente aos meus anseios.
Na mesma linha, veio o Cantigas de Andar, que reforça esse caminho e aprofunda essa identidade que venho construindo. E agora estou gestando um novo álbum, que espero que continue representando essa trajetória de síntese e afirmação musical.
– Em tempo: Qual é a sua discografia?
Minha primeira gravação foi em 1984, ainda na dupla Zé Lira & Ribeirinho, com duas faixas incluídas na coletânea do FEMSEBO — o Festival da Música Sertaneja de Botucatu e Região. Em 1986 gravei um LP com outra dupla, Riber & Renan, no qual assinei todas as composições, algumas em parceria.
Em 1994 lancei meu primeiro álbum “solo”, Osni Ribeiro, em LP e CD, com 10 músicas autorais. Em 1996 veio Bebericando, já apenas em CD, com 13 faixas também autorais, algumas em parceria.
Depois de um longo intervalo, em 2018 lancei Arredores — ainda em CD — com 13 músicas, sendo dez autorais (algumas em parceria) e três homenagens: duas releituras de Serrinha e Raul Torres e uma inédita de Angelino. Em 2022 chegou Cantigas de Andar, novamente com 13 faixas e, pela primeira vez, todas compostas em parceria — 12 parceiros diferentes para 13 músicas.
Em 2023 gravei, junto com Arnaldo Silva, um álbum instrumental para viola e violão, 95% autoral.
Com exceção dos discos das duplas, todos os trabalhos estão disponíveis nas plataformas de streaming como Spotify e Deezer. Há também alguns singles e participações com outros artistas. Hoje está tudo muito fácil de encontrar por lá.
– Quais são os maiores desafios que um violeiro enfrenta na atualidade (espaço na mídia, retorno financeiro, etc.)?
Desafios todo mundo enfrenta — e, pra mim, o maior deles é manter a verdade nos próprios propósitos. Continuar fiel ao que você acredita, ao que quer expressar, é uma forma de permanecer bem consigo mesmo, acima de qualquer circunstância externa.
Mas, se tiver que apontar uma dificuldade mais concreta, diria que é acompanhar a velocidade dos tempos. A forma de comunicar, de se relacionar, de produzir e lançar música muda muito rápido. As plataformas, os formatos, as expectativas do público — tudo se transforma o tempo todo. E isso exige atenção constante, atualização e dedicação para não se perder nesse fluxo sem deixar de ser quem você é.
Esse equilíbrio entre acompanhar o mundo e preservar a essência talvez seja o maior desafio para qualquer artista hoje — e para o violeiro também.
– Onde as pessoas podem encontrar sua música e acompanhar seu trabalho?
Hoje em dia está tudo na rede. Tenho bastante material em vídeo no YouTube — meu canal é youtube.com/OsniRibeiro.
Nas plataformas de streaming você encontra meus álbuns e participações: Spotify, Deezer, Apple Music e outras.
Também estou nas redes sociais como @osniribeirooficial no Instagram (porque, acredite, já existia outro Osni Ribeiro por lá… rs). No Facebook tenho página e perfil.
E para reunir todos esses caminhos — além de algumas curiosidades — há o meu site oficial: osniribeiro.com.br.
– Que conselho você daria para jovens músicos que estão começando a tocar viola caipira para entrar no mundo dos violeiros?
Dizem que, se conselho fosse bom, a gente vendia, né? (rs)
Mas, em vez de conselho, deixo uma estrofe de uma música minha, gravada em 1996, chamada Realeza. Acho que esses versos apontam um bom caminho para quem está começando:
“No reino dos violeiros tem muitos castelos
ninguém é primeiro, nem é soberano.
Em segundo plano fica a maldade, a infelicidade,
o ódio e a tristeza, a dor, a agonia.
Salve a nobreza de uma cantoria.
A flor que eu planto em meu canto é o amor.”
Se pudesse acrescentar algo, diria que o essencial é manter o coração limpo, a intenção verdadeira e o respeito. A viola, assim como a música, é generosa — ela acolhe cada um do seu jeito. Basta chegar com humildade, curiosidade e amor.
Para e encerrar, Osni, qual o caminho para contratar seu show “40 Anos de Viola e Cantoria”?
Isso não é difícil, não. O caminho já está bem pavimentado na rede. O primeiro contato pode ser feito pelas minhas redes — especialmente pelo Instagram — ou diretamente pelo e-mail osniribeiro@abacateiro.com. A partir daí, a gente conversa e desenrola o resto, bem no jeito caipira de combinar as coisas.


