Iniciativa faz parte dos esforços das unidades da Unesp de Botucatu, especialmente da FCA, de retomar as atividades de conscientização sobre o trote, após o retorno das atividades presenciais no câmpus
Diretório Acadêmico e a Comissão de Recepção aos Calouros da Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA) da Unesp, câmpus de Botucatu, promoveram uma palestra sobre trote, ministrada pelo professor Antonio Ribeiro de Almeida Junior, docente do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Esalq/USP, com mais de vinte anos de pesquisa sobre o tema.
A atividade, realizada com apoio da Diretoria da FCA e das coordenações dos cursos de graduação em Engenharia Agronômica, Engenharia Florestal e Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia, foi realizada de maneira “surpresa”, com os professores de cada ano conduzindo os alunos para o Auditório Paulo Rodolfo Leopoldo, na Fazenda Lageado, e com exigência de presença.
A iniciativa faz parte dos esforços das unidades da Unesp de Botucatu, especialmente da FCA, de retomar as atividades de conscientização sobre o trote, após o retorno das atividades presenciais no câmpus. “Durante a pandemia, todas as ações e as atividades voltadas para a conscientização sobre os impactos negativos do trote acabaram ficando prejudicadas. Hoje, com o retorno das aulas estamos notando a necessidade de trabalhar novamente esse tema. Nossa intenção é tratar a prevenção e combate ao trote como um plano institucional”, afirmou a professor Renata Cristina Batista Fonseca, representante da FCA na comissão unificada de recepção aos calouros da Unesp de Botucatu.
O Diretório Acadêmico da FCA também está fortemente engajado nesse trabalho. “Temos que discutir o trote porque trata-se de uma cultura ainda muito forte na universidade. A demanda surgiu após uma reunião com o Grupo Administrativo do Câmpus (GAC), coordenações de curso e Diretoria da FCA. O intuito é entendermos melhor as problemáticas ligadas ao trote e como podemos atuar para tornar o ambiente acadêmico mais inclusivo e não afastar ainda mais as pessoas, gerando até a evasão de alunos. Infelizmente, há casos de pessoas que desistem dos seus cursos por causa do trote”, destacou Maria Beatriz Silva dos Santos, aluna do 3º ano do curso de graduação em Engenharia Florestal e coordenadora geral do Diretório Acadêmico.
Antes de falar para alunos da FCA, na Fazenda Lageado, o professor Almeida Junior também ministrou palestra no câmpus de Rubião Junior, para alunos das demais unidades. Sua abordagem do tema traz a profundidade de quem pesquisa o assunto há anos. “O trote é um problema grave em várias universidades brasileiras. Tentamos esclarecer os alunos sobre o que está nas bases desse fenômeno social que conhecemos como trote e que não é imediatamente visível. Muitos alunos chegam à universidade com a ideia de que o trote é uma comemoração pela aprovação no vestibular, mas o trote tem muitos outros aspectos envolvidos”.
O professor destaca que a prática permite o exercício dos preconceitos arraigados na sociedade. “Aquele que é “bixo” é tratado como o que não vale nada na hierarquia da universidade Quando você obriga um aluno a fazer “pedágio” nas ruas, você o numa condição de mendicância, por exemplo. Isso se repete também na situação dos apelidos que fazem referência a aparência física ou origem étnica, entre outros aspectos”.
Durante a palestra, o professor Almeida Junior deixou clara sua posição pela abolição do trote. Mas ressaltou que esse é um objetivo que demanda uma mudança de mentalidade, o que só acontece com um trabalho sistemático e duradouro. “Trata-se de uma cultura. Muita gente acha que é válido, que é apenas uma brincadeira. Às vezes, isso envolve inclusive docentes, funcionários e até dirigentes das escolas. Combater a prática exige um trabalho de mudança de mentalidade. Normalmente as campanhas que são feitas surgem apenas em função de algum fato mais grave, sem uma visão estratégica do problema e sem continuidade. As ações acabam sendo muito pontuais e não atingem as questões centrais do problema. Quando há um fato, há uma repressão, o problema é amenizado, mas logo retorna. E os grupos do trote costumam ser organizados e, às vezes, dirigidos por pessoas mais velhas que fazem um uso político disso, para se promoverem de algum modo dentro da universidade”.
O palestrante também chamou a atenção para a necessidade mais pesquisas sobre esse fenômeno social. “Houve um aumento na pesquisa sobre o trote na última década, mas ainda assim é muito pouco. Muita gente dá opinião como se fosse especialista, mas nunca foi de fato a campo, entrevistar os envolvidos, conhecer, investigar como o fenômeno se dá, com um rigor de pesquisador, de fato. É um fenômeno bem complexo, que faz parte das lutas políticas no âmbito da universidade e por isso é preciso haver persistência no esclarecimento”.
Comoa dirigente discente, Maria Beatriz entende que esse é o momento propício para promover o debate e as ações com relação ao trote. “Muitas pessoas estão dispostas a discutir esse tema, porque já vivenciaram o trote, alguns passando inclusive por situações traumáticas. Há estudantes que são relutantes e outros que, por não entenderem todas as implicações do trote, acabam não refletindo sobre essas ações. Esperamos alcançar esses alunos e fazê-las entender que eles contribuem com uma cultura que tem afastado cada vez mais as pessoas. Queremos entender e trabalhar para sair desse círculo vicioso”.
Assessoria de Imprensa FCA